Aurora

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dos diálogos com Alipio Freire
e Carlos Drummond de Andrade

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I

Nesta madrugada de densa escuridão
não podemos resignar nossos passos
ou amputar o caminho já feito.

Havemos de amanhecer.

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II

O caminho é lamacento e movediço.

Embora incertos e inseguros
nossos passos são o que temos de mais concreto.

No breu, nossas vistas
não reconhecem flores
................................ofídios
................................buracos
................................ou mariposas.

É preciso tatear contornos
...............................entornos
...............................entraves.

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III

Abatidos, carregamos cicatrizes
hematomas e um coração ferido.

Em nossa pele
as marcas do muro que se desfez
o peso do fuzil tirado de nossas mãos
(com o qual nos balearam)
as fraturas das frustradas tentativas de trincheira
o lusco-fusco da estrela luminosa que se apagou.

A noite nos surpreendeu?

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IV

Não há por que desespero
ou confiança cega.

Se a manhã mostrar seus sinais
havemos de receber no rosto
os primeiros raios de sol.

Havemos de enfrentar o dia
e o risco do entardecer.

Quando o crepúsculo se elevar no horizonte
não haverá motivo para pânico
ou para definharmos saudosos de alvoradas do passado.

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V

No romper da nova noite
talvez já não creiamos em auroras.

Cada madrugada traz seus riscos
e a possibilidade de novas manhãs

Até que o universo anoiteça definitivamente.

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Confira a publicação original em: https://versosnalinhadotempo.com/2010/08/20/aurora/

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